Em definição sucinta do dicionário, palco é o espaço onde artistas se apresentam, seja em peças de teatro, seja em exibições de dança ou performances de música. Fora a descrição objetiva, o que acontece nos tablados desperta sentimentos e provoca reflexões que acompanham o público muito tempo depois de as luzes se apagarem. E, daí, sorte a de quem habita uma cidade tão apinhada deles. Para além da reinauguração de imensurável valor histórico do Teatro Cultura Artística, São Paulo se destaca no cenário nacional por abrigar endereços destinados a performances musicais comparáveis aos melhores do mundo. A seguir, prestamos tributo a quatro deles, reconhecidos pelo desenho arquitetônico fora do comum, capaz de aprimorar a experiência dos frequentadores e amantes da música em geral.
Auditório Ibirapuera
São Paulo é uma das cidades do planeta com mais obras assinadas por Oscar Niemeyer (1907-2012), e uma parcela significativa desse privilégio pode ser desfrutada no Parque Ibirapuera. Esboçado nos anos 1950, o auditório homônimo foi inaugurado mais de cinco décadas depois da construção do próprio parque, em decorrência de embargos e alterações no desenho inicial que impediram sua realização ao longo do período. Sua genialidade consiste no fato de que o mesmo palco pode abrigar apresentações voltadas para o interior do edifício, onde sentam até 800 pessoas, ou, se aberto, viradas para o gramado exterior, capaz de receber cerca de 15 mil espectadores. A mágica acontece quando a porta de 20 m de altura, escondida por cortinas no fundo do palco, é aberta. O formato trapezoidal da edificação inteira branca por fora, com exceção da marquise vermelha ondulada na entrada, distingue-a da vegetação do entorno. No foyer, um painel escultural de aço e gesso de Tomie Ohtake (1913-2005) dá as boas-vindas ao público e o conduz pelas rampas sinuosas que acessam os setores da plateia.
Sala São Paulo
Reconhecida por profissionais do meio e público em geral como um dos auditórios de música erudita mais impressionantes do mundo, a Sala São Paulo cativa não só pela arquitetura, que garante a sua excelência acústica, mas também pelo passado inusitado. Inaugurada em 1999, ela nasceu da transformação da antiga Estação Júlio Prestes, edifício emblemático erguido entre 1926 e 1938, como parte da Estrada de Ferro Sorocabana. Projetado pelos arquitetos Christiano Stockler das Neves (1889-1982) e Samuel das Neves (1863-1937), o prédio desempenhou um papel crucial no desenvolvimento da indústria cafeeira nacional no séc. 19. Após o declínio da companhia ferroviária, a estação passou por um restauro cuidadoso até chegar às mãos do arquiteto Nelson Dupré, que se inspirou na conversão da Estação d’Orsay, em Paris, em museu, para a concepção do novo espaço. “Para transformar a estação em sala de concerto, foram necessárias adaptações inovadoras, como o forro móvel que se desloca por 26 m, além de passarelas de acesso e balcões, com isolamentos acústicos que utilizam vidros especiais, protegendo contra os sons das linhas férreas adjacentes”, explica Dupré, destacando os diferenciais do prédio, que celebra 25 anos de história em 2024. Não à toa, é a atual casa da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), e já foi mencionada pelo jornal britânico The Guardian como uma das dez melhores salas de concertos do planeta.
Sesc 24 de Maio
A inteligência ímpar de Paulo Mendes da Rocha (1928-2021) pode ser percebida em todos os 13 andares do Sesc 24 de Maio, inaugurado em 2017, no centro da capital paulista. A partir da proposta do arquiteto de ocupar estruturas já disponíveis, em vez de demolir e construir do zero, o empreendimento foi executado no edifício de uma antiga loja de departamentos. O centro cultural e esportivo, formado por dois prédios que passaram por completa reestruturação, recebeu um auditório com capacidade para 216 pessoas, delineado para se ajustar às colunas preexistentes na construção. “Apesar desse desafio, tem como ponto positivo o fato de estar no subsolo, mais afastado do barulho externo, o que beneficia a acústica”, conta a arquiteta Marta Moreira, do escritório MMBB Arquitetos, responsável pela empreitada ao lado de Mendes da Rocha. Ela salienta que a sala dialoga com o restante do conjunto: “As instalações elétricas e hidráulicas estão aparentes, assim como em todo o prédio. Mas a graça de tudo é o Sesc 24 de Maio estar onde está, no coração da cidade”.
Praça das Artes
Em um primeiro momento, pode-se pensar que a praça é apenas uma extensão para as atividades do Theatro Municipal de São Paulo, localizado imediatamente atrás dela. No entanto, o complexo cultural finalizado em 2012 tem tamanha relevância para a formação de artistas e para a regeneração do centro da cidade, que ultrapassa as funções de um simples anexo. Idealizada pelo escritório Brasil Arquitetura, a sede dos corpos artístico e administrativo da instituição também é lar da Escola de Dança e da Escola Municipal de Música de São Paulo. “A promoção das artes se mantém como o grande valor do local, que se renova para levar cultura e educação de forma democrática e inclusiva”, diz Eduardo Spinazzola, gerente de arquitetura e patrimônio no Theatro Municipal de São Paulo. Com mais de 28 mil m² de área construída, ela tem como características marcantes os volumes de concreto aparente e os vãos livres, que funcionam como lugar de convivência e recebem apresentações de diversos gêneros. A concepção teve a premissa de abraçar o antigo prédio tombado do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, que após décadas de abandono foi totalmente restaurado e integrado à Praça das Artes.
Foto: Ruy Teixeira
Fonte: *Matéria originalmente publicada na edição de outubro/2024 da Casa Vogue (CV 466). Casa Vogue