Em 25 de janeiro de 2019, o rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), culminou na morte de 272 pessoas, sendo considerado um dos maiores desastres humanitários e ambientais do Brasil. Agora, o caminho que foi consumido pela lama dá lugar ao Memorial Brumadinho, idealizado pelo escritório Gustavo Penna Arquitetos Associados (GPAA), que transforma o local da tragédia em um território de memória e resistência.
“O memorial foi concebido para ser mais do que um espaço físico de lembrança: ele é um testemunho sensível da tragédia, um local onde a dor das famílias encontra um refúgio de memória, e onde a ausência daqueles que partiram ganha presença simbólica”, explica o arquiteto Gustavo Penna. “O projeto busca ressignificar um território marcado pela destruição e dar voz às vítimas por meio da materialidade, da luz, do percurso e da interação entre arquitetura e paisagem”, completa.
Na entrada, os visitantes já percebem o impacto do monumento: sua fachada retorcida e fragmentada representa a brutalidade da tragédia, “simbolizando os sonhos despedaçados e a força avassaladora da lama”, de acordo com Gustavo. Além disso, os interiores escuros criam uma experiência sensorial que leva o público para dentro do episódio ao remeter à poeira que impediu a passagem da luz do sol durante o rompimento. Ao mesmo tempo, o monumento flerta com a possibilidade de novos caminhos através de frestas de luz que permeiam a escuridão.
Nascido por meio da mobilização histórica das famílias das vítimas, o monumento também é um local que acolhe o luto e preserva memórias. Para isso, Gustavo Penna trabalhou juntamente com os familiares no desenvolvimento do Memorial Brumadinho. “Essa colaboração permitiu que o espaço fosse mais do que um monumento arquitetônico – tornou-se um local de significado real e coletivo, onde aqueles que ficaram encontram acolhimento e a certeza de que aqueles que partiram jamais serão silenciados”, ressalta.
Em um percurso de 230 metros, o memorial leva os visitantes em uma jornada de memória, reflexão e acolhimento. “O projeto foi concebido a partir do entendimento de que a arquitetura deveria servir como testemunho, transformando um território marcado pela destruição em um espaço de reflexão, acolhimento e resistência contra o esquecimento”, conta o arquiteto. Construído no local onde a tragédia aconteceu, os materiais utilizados na construção do edifício também fazem referência ao episódio: “O concreto aparente misturado à terra vermelha evidencia a marca da mineração na paisagem e remete diretamente ao material que engoliu tudo em seu caminho”.
Logo no salão de entrada, há uma homenagem às vítimas da tragédia, que são chamadas de joias pelas famílias. Pensando nisso, o projeto conta com uma drusa de cristais que ocupa o lugar central do espaço – e, sempre no momento do rompimento da barragem, às 12h28, um feixe de luz atravessa o espaço e ilumina as gemas, “simbolizando as vidas perdidas e a luz que não chegou naquele dia”, segundo Gustavo Penna.
O caminho do terreno, então, passa por paredes gravadas com os nomes das vítimas, direcionando o público até o ponto central do projeto, onde desponta uma escultura de 80 toneladas e 11 metros de altura, que representa a falha da humanidade. A obra, cuja estrutura é marcada pela topografia do Córrego do Feijão, representa uma cabeça que chora, com a água escorrendo pela pedra e desembocando no espelho d’água sob o mirante – onde o luto encontra a contemplação.
O trajeto termina marcado pela esperança: o mirante, onde tudo se finaliza, descortina a paisagem transformada pela lama e abriga um bosque com 272 ipês amarelos, plantados em homenagem a cada vida perdida. “O ipê foi escolhido por sua reconhecida resiliência. Quando floridos, os ipês se destacam na paisagem, contrastando com os tons terrosos da mineração, transformando o espaço em um campo de memória viva. Cada árvore representa um nome, um destino interrompido, uma ausência que permanece”, revela.
Para completar, o memorial ainda conta com o Espaço Memória e o Espaço Testemunho, pensados pela cenógrafa Júlia Peregrino em conjunto com os familiares. A fim de preservar a história e homenagear as vítimas com dignidade e respeito, os espaços são ocupados por fotos e objetos pessoais daqueles que perderam a vida na tragédia, além de guardarem seus segmentos corpóreos.
Além de homenagear as vítimas da tragédia, preservar a memória do local e gerar uma reflexão entre os visitantes, o Memorial Brumadinho vai além e serve como uma recordação de erros que não podem ser cometidos novamente. “Para a sociedade brasileira, o memorial tem um papel essencial na preservação da memória e na conscientização sobre as consequências da negligência humana. Ele é um marco de reflexão e aprendizado, serve como um alerta para que tragédias como essa nunca mais se repitam”, afirma Gustavo Penna.
Fonte: Casa Vogue